Por: Marciel Nogueira
Em um estado onde as promessas de melhoria da saúde pública se tornam frequentemente mais uma forma de aliviar a pressão sobre a população do que realmente resolvê-las, o anúncio de um “consórcio interfederativo” para amenizar a superlotação do Hospital Monsenhor Walfredo Gurgel (HMWG) é, no mínimo, preocupante. Não se trata de uma medida inovadora, mas de um paliativo improvisado para um problema crônico que deveria já ter sido enfrentado há anos.
O plano da Secretaria de Estado da Saúde Pública (Sesap) para organizar o fluxo de atendimentos no Walfredo Gurgel, que inclui o fim do atendimento ortopédico de baixa complexidade e o direcionamento dos pacientes para unidades descentralizadas, soa como mais uma tentativa de tapar o sol com a peneira. A crise não é nova; a superlotação no HMWG, que já foi considerada uma tragédia anunciada, expõe a falência de um sistema de saúde que, desde há muito, não recebe os investimentos e a gestão eficaz de que necessita.
A ideia de criar um “consórcio interfederativo” para repassar pacientes a outras cidades parece ser uma solução paliativa e pragmática, mas carece de profundidade. Se o problema é a falta de infraestrutura no hospital central, será que apenas transferir parte da demanda para cidades vizinhas resolverá a equação? Ou, pior ainda, a medida pode apenas deslocar a pressão para os hospitais regionais, sem, no entanto, melhorar a qualidade do atendimento de forma geral? Sem um planejamento integrado e uma verdadeira expansão da rede hospitalar, é possível que o problema da superlotação se espalhe de maneira ainda mais desigual pelo estado.
Aqui surge a grande questão: por que o governo do Rio Grande do Norte não investiu, nos últimos anos, na construção de novos hospitais ou na ampliação das unidades já existentes? A resposta parece óbvia, mas inquietante: a saúde pública, ao longo das últimas décadas, tem sido tratada como um setor à margem das prioridades governamentais. As verbas destinadas à saúde são mau utilizandas, e os projetos, quando apresentados, são mais voltados à gestão da crise do que à construção de soluções de longo prazo. A proposta atual de um “consórcio” para diminuir a pressão sobre o HMWG pode até aliviar os corredores lotados momentaneamente, mas é difícil ver nisso uma resposta efetiva ao problema estrutural que afeta a saúde pública no estado.
É fato que a demanda por atendimento médico cresce a cada ano, especialmente em uma população com uma base de dados epidemiológicos complexa e crescente. No entanto, ao invés de criar novas unidades hospitalares, o governo parece preferir uma solução mais “prática”, que se baseia em parcerias e descentralizações, como se a simples movimentação de pacientes por uma rede mais ampla fosse capaz de contornar a falta de leitos, estrutura e qualidade nos serviços prestados.
Entretanto, não podemos deixar de perguntar: será que um consórcio entre municípios será realmente capaz de suprir a falta de leitos no estado? Será que o fato de redirecionar a demanda para outras cidades resolve a sobrecarga de recursos humanos, a falta de equipamentos médicos e a precariedade do atendimento? O que o governo do RN parece não perceber é que um atendimento de saúde adequado vai além de transferir pacientes de um ponto a outro. É preciso garantir que todas as unidades de saúde — não apenas o Walfredo Gurgel — possuam estrutura suficiente para atender a população de maneira digna e eficaz.
Em um cenário de crise na saúde, é preciso mais do que soluções improvisadas. O que falta no RN não são apenas mais hospitais, mas também uma verdadeira reforma no sistema de gestão da saúde pública. A resposta não está em criar novas formas de deslocar pacientes de um lado para o outro, mas em oferecer um atendimento integral, que inclua desde o fortalecimento da atenção primária até a melhoria das condições dos hospitais de referência.
A crise do Walfredo Gurgel, como tantas outras na saúde pública, exige uma visão estratégica, de longo prazo, que vá além de consórcios e soluções transitórias. Caso contrário, o que veremos é a continuidade de um ciclo vicioso: políticas públicas que mascaram os problemas, mas que jamais enfrentam suas causas estruturais.